Em meu livro Águas, Trilhos e Manacás - as cores da memória, procurei falar sobre modalidades artísticas tão diversas quanto artes plásticas, música e cinema. Nas próximas postagens farei considerações a respeito de cada uma delas não me detendo necessariamente no conteúdo do livro. Por isso contribua, comente com seu conhecimento, dê sua opinião. No facebook tenho colocado material extra, fotos, links etc. Confira aqui.
Hoje inauguro essas "sessões temáticas" falando sobre produção cinematográfica na região. Achei mais interessante esse recorte temático. Atenção para os links "disfarçados" no meio do texto se você quiser se aprofundar nos assuntos.
A produção cinematográfica do ABC vai do cinema marginal aos grandes meios de comunicação, do amador ao profissional, do documentário ao drama. A primeira manifestação significativa que destaco é a Cia Cinematográfica Vera Cruz em São Bernardo do Campo. A recém emancipada cidade recebe o boom industrial especialmente automobilístico na década de 1940. Nessa onda, Cicillio Matarazzo e o produtor Franco Zampari decidiram investir no cinema e criar em 1949 a Vera Cruz, um dos mais importantes estúdios que o país já teve, produzindo filmes como O Cangaceiro, Sinhá Moça e Mazzaroppi, que se tornou um ícone do cinema brasileiro. Alguns dos filmes produzidos pela Vera Cruz foram recuperados e estão disponíveis na íntegra aqui no site da Elo Company.
Durante as pesquisas para ATM, tive a oportunidade de conversar com Sonia Gerber, em Mauá, sobre a história de seu pai, Hans Gerber, que, junto com seu irmão Wolfgang, criou o primeiro estúdio fotográfico da cidade. Com os recursos que tinham filmaram em 35 mm um documentário mudo de aproximadamente 45 minutos com várias cenas (algumas bem curiosas e engraçadas) da cidade de Mauá nos anos 50. Crianças brincando no Tanque da Paulista, cheias causadas pela chuva, ônibus, carros, chaminés fumegantes das fábricas de porcelana da cidade etc. Fiquei surpreso quando apareceu o antigo prédio da Estação Mauá, muito parecido com os atuais edifícios das estações de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra (agora tombados pelo CONDEPHAAT). O Sr. Hans tinha o desejo de publicar Mauá em Marcha, seu documentário, com sua própria narração, mas faleceu antes, infelizmente. (Veja mais aqui) Até onde se sabe Mauá em Marcha reúne as primeiras imagens em movimento da cidade de Mauá. Sonia e seus filhos guardam ainda com muito carinho a memória do avô, importante para todo a região.
O Cinema Novo também rendeu seus frutos pelo ABC. Aron Feldman, chegando em 1958 em Santo André começa a propor novos focos sobre a sociedade brasileira. No curta metragem Casqueiro, por exemplo, fala sobre crianças vendedoras de carangueijos na beira da estrada em Cubatão. Já o média A Febre Nossa de Cada dia sobre as angústias da classe média paulista. O confronto com a censura viria em O Mundo de Anônimo Jr protagonizado por seu filho, o escritor Claudio Feldman, fazendo uma sátira da repressão dos militares. O filme foi vetado. O acervo de Aron Feldman se encontra na posse da Cinemateca Brasileira, na cidade de São Paulo. Uma boa parte de sua memória é mantida também por Claudio, que depois de anos na literatura, recentemente retornou ao cinema como roteirista.
MAUÁ EM MARCHA - cena que mostra o antigo edifício (já inexistente) da Estação Mauá |
Aron e Claudio Feldman nas filmagens de A Febre Nossa de Cada Dia. Foto do acervo pessoal de Claudio Feldman |
A pequena Rio Grande da Serra não ficou pra trás. Na década de 1970 um ousado grupo de alunos procurou o fotógrafo Mingo (que na época se aventurava a filmar com um 8mm) para dirigir um trabalho de escola bem ambicioso: um filme sobre juventude, drogas e violência. Mingo dirige então os alunos em O Caminho dos Viciados os ensinando técnicas de atuação, edição, sonoplastia, trilha sonora (com muito rock 'n roll) etc. Em breve postarei aqui o vídeo. Em 2006, "sem querer" a Solvay em parceria com o Estúdio Brasileiro (ambos parceiros também em ATM) elevou a outro patamar a experiência de O Caminho dos Viciados em Rio Grande da Serra. A partir de um concurso de redações com alunos de escolas públicas de Rio Grande e Paranapiacaba o projeto Curta Química e Natureza (CQN) lança a cada ano um DVD com curtas-metragens produzidos pelos alunos assessorados por uma equipe de profissionais. Os jovens aprendizes passam por todas as etapas e especialidades da produção cinematográfica desde o roteiro até a edição, passando também pela dramaturgia e direção. Alguns curtas forma premiados em importantes festivais do país.
Em Ribeirão Pires, durante a década de 2000 Emerson Muzeli, cineasta de Ribeirão Pires se especializa em direção de cinema e tv. Sempre fazendo questão de manter seu estúdio em Ribeirão Pires, em 2010 conseguiu a atenção de toda a região quando tomou para si a tarefa de fazer um festival para reunir, no ABC, o que há de melhor no cinema brasileiro, especialmente na região. O Festival Um Novo Olhar, abriu espaço para vários cineastas locais trocarem experiências e apresentarem seus trabalhos (especialmente na sua mostra competitiva de curtas) bem como discutir possibilidades. Esse é o caso dos cursos oferecidos no festival, por exemplo uma oficina que explorou o uso de instrumentos do cotidiano como celulares, cameras digitais, Ipod's etc para se fazer filmes. Esta oficina foi coordenada por Alex Moletta, outro importante cineasta andreense (formado pela Escola Livre de Cinema de Santo André, vale ressaltar) cuja obra inclui filmes como "O Pau da Missa" (assista aqui), um documentário sobre Paranapiacaba que capta com grande sensibilidade e precisão aspectos do imaginário e do cotidiano dos moradores da vila. Veja a reportagem do programa zoom sobre o Festival:
Há cineastas engajados (ou não) espalhados por aí: Alex Moletta também tem um estúdio em Santo André. Emerson Muzeli fez o premiado Café Amargo filmado em Paranapiacaba. Éderson de Oliveira, em Mauá produziu alguns documentários sobre a cidade a partir de uma oficina de cinema que sonha em trazer de volta para o município. Mingo guarda não só suas antigas filmagens "de brincadeira" com a 8mm e a Super 8 como também o registro que fez da restauração da Capela de Santa Cruz em Rio Grande da Serra (suas fotos de quando a capela estava em pé serviram de estudo para o restauro por serem a única documentação disponível).
Em São Bernardo, o complexo dos Estúdios Vera Cruz está em vias de tombamento estadual e federal. A prefeitura de São Bernardo do Campo tem discutido diversas propostas de reutilização do espaço para produção de cinema da região e já tem realizado algumas delas (sei de um projeto interessante mas preciso de mais informações antes de contar aqui). Outros acervos ajudam a contar a história do cinema no ABC como é o caso do artista plástico Pierino Massenzi, cenógrafo das produções de Mazzaropi.
O Caminho dos Viciados - Cena do filme |
Enfim, essa pequena amostra indica um pouco do cinema do ABC e seu potencial... um pouco. Antes de reclamarmos de falta de incentivo etc, que tal procurarmos conferir o que temos dispónível?
Abraços
Abraços
Ola Marcelo, tudo bem... adorei saber das historias que você conta sobre a cultura no ABC, principalmente em cinema - que a parte que eu participo... estou pesquisando e levantando algumas coisas sobre cinema na região... e gostaria de conversar com você, se for possivel...
ResponderExcluirmeu nome é Diaulas Ullysses - venho trabalhando com cinema desde 1992 - me formei na ELCV Santo André - sou da primeira turma, realizo curtas e coordeno uma sala de cinema municipal em Diadema
Espero seu contato.
Abraço