Olá a todos. Cá estamos para mais uma postagem. Desta vez trago poesia. Pensei muito em que falar sobre a poesia que conheci em ATM. Escolha um (ou mais de um) e simplesmente leia. Sem referência alguma, exceto o nome dos autores, preferi que os poemas falassem por si mesmos:
Pensando em poesia
palavras ao vento
caíram das folhas
em que eu escrevo
SETEMBRO
Jurema Barreto de Souza
Só crio pássaros em árvores
Reconheço um sabiá
que me acorda acompanhado
por um coro de pardais,
privilegio urbano
de quem insiste em
deixar crescer sementes
das quais ignora o nome
As raízes quebram o asfalto,
o tédio da calçadas
lajotas simétricas
verdes, cinzas,
desenhadas pelo tempo.
Amanhece sempre
através dos séculos,
mas ainda há pássaros
em setembro
SERRA QUE ENCERRA. . .
Toninho Orlando
A chuva na serra
encerra um momento
de cerrar um olhar
que encerra um tormento
de viver encerrado
dentro do eu
que tem muitos nós
a cada momento
em que serra o silêncio
o grande tumulto
de viver em si mesmo
cerrando os olhos
para acordar
quando a chuva na serra
parar de chorar
encerrando um sorriso
esperando um olhar
que traga esperança
de não encerrar
o branco da paz
o verde da serra
que custa a brotar
debaixo das serras
tão bem afiadas
querendo serrar
o pinho de cordas
a luz do luar
que ficou num só canto
que ficou num cantar
A chuva na serra
encerra um momento
de cerrar um olhar
que encerra um tormento
de viver encerrado
dentro do eu
que tem muitos nós
a cada momento
em que serra o silêncio
o grande tumulto
de viver em si mesmo
cerrando os olhos
para acordar
quando a chuva na serra
parar de chorar
encerrando um sorriso
esperando um olhar
que traga esperança
de não encerrar
o branco da paz
o verde da serra
que custa a brotar
debaixo das serras
tão bem afiadas
querendo serrar
o pinho de cordas
a luz do luar
que ficou num só canto
que ficou num cantar
AGUENTA GABRIELA
Augusto Reis
Levanta de Madrugada
Sai gemendo pra rua
Parece u’a condenada
Sem ter feito falcatrua
Ela não sabe no entando,
O belo exemplo que dá,
Pois a grandeza que eu canto
É junto dela que está
Agüenta Gabriela!
Porque isto que carregas
Não é cravo, nem canela,
Mas um meio muito honesto
De forrar tua panela !
É um exemplo e um protesto,
Contra todas as mazelas
(...)
Lá vai a carroça cheia,
Com restos de papelão,
Mas... “Papelão” volta e meia
Faz o governo sem peia
Que anda na contra-mão,
Constrói castelos na areia
Pra se ocultar nas ameias,
Deixando o povo na mão!
GUERNICA REVISITADA
Iracema M. Régis (contemplando os murais de Emeric Marcier)
Anêmicos
Tons pastéis
Marrons
Brotam os perfis
(esquálidos)
escuras
fendas abertas
(bocas)
- um grito que não se calou
Guernica
Chaga exposta
Sem cura
Nem retoque
‘Senhor Deus dos desgraçados!...
Dizei-me vós, Senhor Deus!...
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus!...
Guernica
Alegoria
Simbologia / expressionismo
Barroco-surreal?...
Nem Deus
Só o Diabo
Na tela sem sol
ERA TECNOLÓGICA
Acróstica
Trabalho esgotado
Amor virtual...lotado
Competição insaciável, produção
"Tecnoloesia", fundindo poesia
Inusitada, comparada e deletada
POEMA CACHAÇA
Castelo Hanssen
Eu queria fazer uma poesia
que fosse cristalina como o dia
para ser consumida como o pão
Uma poesia assim:
que trouxesse beleza em cada rima,
para ser cantada no trabalho,
para ser batucada na marmita,
para ser comentada nas esquinas.
Uma poesia assim:
Comum e popular como a cachaça
que se bebe barato, que é de graça,
que é do pobre, do rico, do sem nome.
Uma poesia que todos entendessem
como todos entendem a palavra amor
ou a palavra fome.
VADIAGEM
Zhô Bertholini
meus passos, sempre meus passos,
eis-me a sós em solo diário
mapeando tardes inteiras e urbanas
automotivas
sinalizadas
enfileiradas
congestionadas
e meu coração que pulsa
na mais legítima contramão
ruas intercaladas de pressas e surpresas
tudo gesto, ação e dispersão
em trajetos que somos
reais, humanos ou mera colisão
A FACE OCULTA DO MORRO
Macário Ohana Vangélis
O que mata o morro é não saber sua história,
É não guardar suas memórias,
A riqueza da cidade vem do morro,
São pretos, pedros, pedreiros
São costureiras e enfermeiras
São operários e batuqueiros,
São putas e madames mandando o pé
Na bunda dos canalhas
É São Jorge e Jesus Cristo tomando porres,
Estendendo as mãos a malandros e otários
Aos sobreviventes de salários
O morro é um porco gordo
Fatiado e devorado por estômagos delicados
No banquete das negociatas
O morro é uma velha babilônia resistindo,
É estúpida idéia ariana,
É o caos antropofágico,
Caldeirão de mouros, nordestinos e afro-europeus
Ou que o diabo ou deus, o sacaneando, lhe mandou
O morro é América católica estoicista
Negando-se todos os dias
Que engenheiros.
Que carpinteiros,
Senão os intuitivos do morro,
Construiriam tais palácios, palafitas, barracos (?).
Aonde tal solidariedade e festas dionisíacas?...
... O morro pede socorro? ...
AH!...nasceste um narciso em teu umbigo.
PAIXÃO
Claudio Feldman
Como alguém que abandona os sapatos
Para andar sobre brasas
Me entreguei à paixão com júbilo feroz
E o alento da amada foi o meu:
Nossas peles gêmeas
Venceram o opaco silêncio do mundo
Hoje, que as nossas veias se apartaram,
Já não somos os mesmos: mas o eco
Do nosso amor alumbrado de carícias
Ainda estremece as ruas solitárias
Com a secreta brisa de bailantes primaveras
TINHA UM CANGAMBÁ, UMA PEDRA E UM CACTO REPELENTE NO MEIO DO MEU CAMINHO (Para José Alcides Pinto)
Aristides Theodoro
Quando levantei-me da cama,
numa manhã de novembro de 1937,
molhado pela gosma fétida da placenta,
vi logo um cangambá no meio do meu caminho.
Esse bicho nojento
secou o leite de minha mãe,
comeu minha papa rala,
tornou a minha sopa insossa,
cercou o meu caminho.
No início tinha uma enorma pedra
e um cangambá no meu caminho
Drummond, um iniciante,
que já era uma sombra imensa,
quis roubar o meu primeiro verso.
Queria passar. Mas Como?
Se no meio do meu caminho
tinha uma pedra e esse cangambá nojento
sempre a me olhar?...
“Tinha um pedra”
“tinha uma pedra”
“tinha uma pedra”
“tinha uma pedra”
ali, no centro do meu caminho,
e um cangambá nojento
sempre a me olhar
Por que deus e o DIABO,
Que nunca foram meus amigos,
permitiram que um cangambá nojento,
uma pedra grande e mais um cacto repelente
ficassem ali plantados
no centro do meu caminho?
Toca Filosófica, 23/09/2002
ESPELHO PROVISÓRIO
Dalila Teles Veras
Dalila Teles Veras
"são espelhos que me revelam
Sem eles eu talvez não soubesse de mim"
Cecília Meireles
Minha imagem nas vitrinas da cidade
(estrangeira, sempre)
ausculto:
os becos que dormitam
os cruzamentos infernais
os silêncios súbitos
a luta surda
a grita explícita
por um lugar à fresca
por um sonho de ribalta
pelo simples sobreviver
Anoto:
o que não está à frente
o que não brilha
o que não grita
o que não é outdoor
a camada abaixo da camada
o que não é mais
o que passa a ser
palimpseto revelador
Serei eu essa imagem trêmula
nativa entre estrangeiros?
Será minha esta opaca imagem
que o lago turvo da falsa Praça
não permite distinguir
Vou talvez somar alguns poemas a estes e na outra semana falo um pouco dos movimentos literários que tive contato. Quem tiver alguma curiosidade ou interesse eu posso falar mais sobre os poetas que eu citei aqui. Abraços!